Fernando Haddad
OS
SOCIALISTAS, até hoje, incidiram no erro de acreditar que o
desenvolvimento das forças produtivas, sob o capitalismo, faria
explodir as relações de produção que o configuram, quando na verdade,
ao contrário das antigas formações sociais, o capitalismo se vale
desse desenvolvimento para se legitimar, sendo que a dialética entre
as forças produtivas e as flexíveis relações capitalistas de produção
se desdobra de uma maneira historicamente nova, a um só tempo
dinâmica e estaticamente.
II
Os
socialistas se valem das crises do capitalismo, expressão do seu
caráter inerentemente contraditório e irracional, para afirmar seu
ponto de vista. Não obstante, a questão sobre qual será a crise final
desse sistema é uma questão político-prática e não
econômico-teórica.
III
Os
socialistas querem erradicar do mundo a pobreza de espírito.
Tomam-na como produto direto das atuais condições materiais de
existência. O movimento socialista funda-se no materialismo, mas
entendido como crítica social, tendente a sua consumação.
IV
O socialismo não deve ser tomado como um fim, como telos,
mas como um novo começo, como reconciliação entre homem e natureza
que não reivindica um passado longínquo, pois essa reconciliação se
dá num outro plano, num patamar jamais atingido.
V
O
socialismo não deve ser tomado como uma ordem fundada em valores por
ele criados. O socialismo é o desentrave definitivo do processo de
individuação, obstruído pela sociedade de classes. O socialismo é a
exuberância dos indivíduos de uma vez por todas libertos de valores
prescritos, unidos solidariamente pelos laços de justiça,
exclusivamente.
VI
O
socialismo é igualmente o desentrave do processo de formação de urna
comunidade internacional que preserva as diferenças entre os povos, e
que faz delas o testemunho da riqueza do enfim realizado gênero
humano.
VII
O socialismo é o reino da justiça onde se exerce a liberdade.
VIII
Os socialistas pretenderam transformar o mundo; cabe, porém, transformar
os homens, isto é, motivá-los para aquela transformação. O
socialismo depende de um salto psicoterapêutico para além da dominação
orquestrada democraticamente na esfera pública.
IX
O
socialismo não é um desdobramento lógico do capitalismo, embora seja
uma possibilidade objetiva. O lógico é tão-somente o histórico que
se impôs, por vezes ilogicamente. O socialismo é a saída talvez
ilógica de um mundo certamente irracional.
X
O socialismo é a superação prática
da metafísica realmente existente. Como a dialética é tão-somente o
fruto do esforço mental de compreensão da fantasmagoria reinante, o
advento do socialismo implicará sua obsolescência.
XI
Até lá, os socialistas devem reinterpretar continuamente o mundo social para uma práxis transformadora sempre renovada.
Fernando Haddadé
professor do Departamento de Ciência Política da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.
Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo
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